As lições que o câncer me ensinou
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As lições que o câncer me ensinou

Existem lições que somente o câncer poderia ter me ensinado, e eu tenho consciência disso, por exemplo:



O câncer me transformou como pessoa, como filha, como esposa e como profissional. Hoje eu tenho muito mais empatia pelas pessoas, pois compreendo que cada um de nós está enfrentando uma batalha individual e que não existem problemas e dores maiores ou menores porque, para quem está sentindo dor ou passando por uma situação difícil, aquilo tem prioridade máxima;


O câncer me ensinou a ser humana e me mostrou, dia após dia, que a vida é cheia de altos e baixos. É uma montanha russa sem fim! Em alguns dias você tem certeza que vai vencer a luta, mas em outros, você tem medo de adormecer, pois não sabe se irá acordar na manhã seguinte. Mas, em vez de compartilharmos os nossos momentos de vulnerabilidade e acabar um pouco com essa "romantização" do câncer, preferimos só mostrar para as pessoas o nosso lado "guerreiro". Deus me livre que as pessoas saibam que eu sinto medo, não é? Parte disso deve-se ao fato de que exige-se que pessoa com câncer (ou com qualquer outra doença) seja uma guerreira, uma vencedora, um exemplo de vida a todo momento, que ela seja uma inspiração para outras pessoas, quando, na verdade, ela só está tentando vencer mais aquele dia. E toda essa carga em nossos ombros acaba por nos fazer sentir vergonha e não acolher nossas emoções, afinal frustração, medo, raiva e tristeza são incompatíveis com todo o positivismo e a motivação que esperam que nós tenhamos;


O câncer me ensinou que eu não serei menos digna se eu pedir ajuda. Sabe aquela sensação de que estamos dando trabalho? Ou que estamos sendo um peso na vida das pessoas que convivem conosco? Pois é, acredito que é um sentimento comum a qualquer pessoa que tinha uma vida extremamente agitada, que era 100% independente e que nunca precisou de ninguém para nada até que, de repente, levou uma rasteira da vida e passou a precisar da ajuda de todos a todo momento. É horrível! É horrível ver sua mãe ou esposo varrendo a casa e não conseguir ajudar porque você está sofrendo com os efeitos colaterais da quimioterapia. Mas, pense comigo: Se fosse o contrário, sua mãe ou seu esposo com câncer, você não faria das tripas coração para que eles tivessem o máximo de conforto possível? Claro que faríamos, porque nós os amamos, e amor é cuidado. Às vezes nós precisamos sair dessa armadura que nós mesmos criamos e permitir que as pessoas que nos amam cuidem da gente!


O câncer me ensinou a valorizar coisas pequenas do dia a dia. Você consegue se imaginar sem paladar ou sem olfato? Imagine como é terrível a sensação de comer sua comida favorita e não sentir o gosto de NADA. Imagine também o quanto é frustrante você não saber qual é o cheiro do seu esposo, porque a quimioterapia também acabou com o seu olfato...horrível, não é? Mas eu só me dei conta do quanto esses detalhes são importantes em nossa vida por causa do câncer. Antes dele, comer e sentir cheiros eram coisas automáticas. Hoje, quando eu consigo sentir o sabor de alguma comida, eu fico emocionada. Me sinto vitoriosa! Esses dias eu consegui perceber que minha cachorra soltou um pum (meu esposo coloca a culpa em mim, mas foi ela, eu juro!), e eu fiquei feliz porque consegui sentir o quanto ela estava estragada por dentro rsrsrs. Quando foi a última vez que você ficou feliz porque sentiu o pum de alguém? Hahaha!



O câncer me transformou em empresária, e eu tenho muito orgulho da mulher que eu sou hoje porque, vivendo o pior momento da minha vida, eu consegui enxergar a oportunidade de ajudar pessoas que, assim como eu, estivessem precisando de acolhimento. Na maioria dos lugares onde busquei por ajuda, me negavam atendimento porque eu tinha câncer. Sequer tentavam encontrar alternativas para me ajudar. Eu era tratava como um câncer, e não como uma pessoa que tem câncer, conseguem perceber a diferença? E a Namaste é fruto de todas estas minhas experiências ruins. Fico contente em poder dizer que hoje, Manaus conta com um ambiente onde as pessoas sentem-se acolhidas e que, ainda que tenhamos a consciência de que não podemos curá-las, não medimos esforços para que cada pessoa que nos visita deixe nossa clínica sentindo-se melhor do que quando chegou.


E, por fim, o câncer me ensinou que existem dois modos de passar pelas situações: o primeiro deles, é entregar-se e dar-se por vencido. Honestamente, tive vontade de parar com o tratamento inúmeras vezes, porque, gente os efeitos colaterais são TERRÍVEIS. Mas eu não parei. Houve dias em que eu chorava de dor; houve dias de muita revolta, de muito choro e de muita frustração por não ter mais a capacidade, disposição e força de fazer o que eu fazia antes, mas é aí que entra o segundo modo de passar pela situação: com resiliência e resignação. Aceitando que eu tenho necessidades diferentes, que podem ser transitórias ou permanentes, mas que eu não posso ficar esperando as coisas acontecerem para eu viver minha vida. Então, eu sigo vivendo de acordo com minhas possibilidades e respeitando as minhas limitações... e, apesar de ser bem mais difícil, eu escolhi a segunda opção porque não acho que vale a pena sofrer mais do que o necessário, afinal ter câncer não faz de você um câncer. Ser um câncer é uma escolha nossa. Eu escolhi não ser!


Abraços fraternos,

Luana Cardoso.

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